Nós, Trump e a divertida perspectiva de Hoag

Por Ricardo Negreiros.
O Objeto de Hoag é um aglomerado galáctico localizado a uns 600 milhões de anos-luz daqui, na Constelação da Serpente. O formato simétrico circular, onde várias estrelas anãs azuis se posicionam ao redor de um grande objeto luminoso, não dá aos cientistas nenhuma pista de como aquela formação se desenvolveu, mesmo àqueles acostumados a avaliar galáxias resultantes do choque entre outras galáxias.
No livro “O Universo Inteligente”, de James Gardner, ele coloca em termos hipotéticos que, se tiver que existir vida inteligente no universo além de nós, o Objeto de Hoag tem alguma possibilidade de ser uma formação arquitetada por inteligências altamente desenvolvidas.
Alheio às conjecturas e dúvidas do assunto, gosto de lembrar do papo que tive há alguns anos no All´s, um botequim supermoderno em Hoag. Discutíamos, entre outras coisas, sobre o planeta Terra, que aparecia numa imagem holográfica suspensa no centro de nossa mesa, indicando aos garçons de onde eu vinha:
- E aí, Etnop’na, já fostes por lá? Perguntei, apontando a Terra para o meu novo amigo hoagueano com o mesmo orgulho entusiasmado de quando pergunto por aqui se alguém foi a Fortaleza, minha terrinha.
- Ainda não... estou esperando tirar umas férias. Ir em missão nunca é legal. Esse negócio de ficar fazendo relatórios e experimentos tira o prazer de qualquer viagem, respondeu Etnop’an.
Gendé’iman, querido amigo de longa data, cuja carta publiquei no meu livro Entranhas em 2000, já bastante livre dos freios da diplomacia em virtude dos dois copos da maravilhosa cerveja cintilante (não é nome da marca, é o jeitão dela, mesmo), resolveu comentar:
- Olha, Ricardo, sei que você se orgulha das praias, do clima, das paisagens, do sol e tudo o mais do seu planeta, mas vou te contar uma coisa... ô povo enrolado vocês têm por lá!... e deu uma risada afetuosa...
Conhecendo o meu genuíno temperamento autocrítico e percebendo que eu já estava liberando o sorriso para receber pacificamente as pedradas, continuou com seu sotaque de imigrante russo:
- Nesses últimos anos o que mais se fala por lá é gente decepando gente, gente defecando nas praias, é falta d’água, regiões superdesenvolvidas separadas por muros invisíveis de outras muito subdesenvolvidas, lugares de onde se quer fugir ao invés de desenvolver... Você sabe disso, Ricardo... E, pior, lá tem um monte de gente que diz que nada daquilo é problema dele, mas só anda de carro blindado, bota um monte de equipamento de segurança na residência para proteger os filhos, achando que vive numa ilha ... Olha, num planeta pequerrucho (e fez sinal de miúdo com dois dos seis dedos), de clima e bioma espetaculares, com ¾ de superfície coberta de água, com os avanços tecnológicos caminhando a passos largos, nós aqui não compreendemos como é que ficam batendo tanto a cabeça do jeito que batem... E riu também, enquanto o copo vinha-lhe, sozinho, mais uma vez à boca, sem precisar nem se reacomodar na poltrona... e concluiu:
- Sabemos que é preciso respeitar a evolução da mentalidade das espécies de cada *SFD. Mas a curva evolutiva de vocês é uma das mais lentas que já tivemos em nossos estudos. Seus líderes são muito primitivos. É natural que haja ênfases no desenvolvimento de cada próprio país, e dividir o planeta em regiões menores facilita a administração, mas o ponto central é que não se percebe um sentimento de unidade. Vocês são apenas terráqueos sobrevivendo e coabitando um pequenino planeta... o pessoal lá não se dá conta do quanto essa percepção é importante? Como esperam almejar um futuro próspero e pacífico se não levarem em conta o conjunto de problemas que os interliga?
(*Sistemas Fechados de Desenvolvimento, que é como chamam os planetas que são monitorados para que não se autodestruam e possam atingir espontaneamente um nível de consciência pacífica específico. Um estágio importantíssimo que os permita aprender e interagir com outros planetas sem pretender subjugá-los. SFDs não podem sofrer interferência direta de sociedades planetárias mais desenvolvidas.)
Sorri amarelo.
Todo mundo sabe que em mesa de bêbado não se resolve nada. Taí o Lula e o Jânio Quadros que não me deixam mentir... Assim, não vou ficar aqui repetindo a totalidade da conversa, mesmo sabendo que os cachaceiros de plantão, os viciados em tecnologia e as moças curiosas em conhecer a moda que veste as hoagueanas estejam interessadíssimos em saber como fabricam a cerveja cintilante, que tipo de ressaca ela dá, como o copo flutua sozinho e muito mais de Hoag. Levaríamos dias e dias explorando deliciosamente a parcela superficial e tola da minha experiência lá. O problema é que voltei para cá com um misto de envergonhado e bastante estimulado com a ideia de mudanças.
Acreditem-me, olhando o nosso planeta da perspectiva de Hoag a estúpida violência com que convivemos e as diferenças abismais na qualidade de vida entre as diversas regiões da Terra deveriam nos envergonhar a todos. Ok, em Hoag eles também têm regiões com hábitos culturais distintos entre si, o que pode algumas vezes parecer ao mais desavisado que uma região viva melhor que outra, mas a verdade é que todos estão satisfeitos com as diferentes classes sociais resultantes da diversidade das ocupações dos indivíduos e com os hábitos culturais de sua própria região. O mesmo vale para os diversos sistemas planetários que desfrutam das diretrizes do pacto interplanetário que congrega as várias regiões do universo.
O desenvolvimento geral da vida em Hoag, desde os seus primórdios, bilhões de anos antes do nosso, foi muito distinto da Terra. Por condições específicas da atmosfera e da geologia locais, os vegetais comestíveis se desenvolveram em maior diversidade e abundância, permitindo que o metabolismo para extração de proteínas fosse muito menos complexa que aqui na Terra. O primeiro resultado foi que, embora a disputa por espaço e energia naturalmente levasse a conflitos, a concepção de predador tornou-se muito diferente do que conhecemos aqui. A ausência da disposição ao conflito carnal permitiu que muito mais rapidamente que nós suas sociedades se tornassem mais cooperativas entre si, acelerando o desenvolvimento geral. Ao longo do tempo passaram por muitas experiências, inclusive a tentativa de subjugação por invasores de outras galáxias, as quais finalmente tiveram que se render ao poderio tecnológico e filosófico de Hoag.
Em nosso planeta, a Terra, não há um governo central, mas existe um país que possui um imenso poderio militar – os EUA. Até o presente momento esse poderio tem sido usado para preservar os valores da liberdade e do respeito à vida ao redor do planeta. Mas, com a eleição de Donald Trump como presidente americano essa força econômica e militar adquiriu ares bastante imprevisíveis.
Para tentar compreender um pouco da mente de Trump adquiri o livro "America debilitada". É um livro de fácil leitura onde o autor demonstra uma desconcertante transparência em seu modo de pensar. Desde muito moço aprendeu o valor da imagem, da publicidade, e exercitando em ciclos virtuosos esse talento tornou-se uma marca forte e, agora, presidente da república.
Noutra hora poderemos explorar melhor a imagem que Trump me passa. Há, como em todo ser humano, pontos positivos e negativos em seu perfil. Parece-me justo, por exemplo, que queira dividir o custo militar da proteção aos árabes e aos sulcoreanos. Mas, impressiona o número de vezes em que reafirma no livro ser rico e bilionário. Fica parecendo aquele menino dono da bola, que parece não compreender que sozinho não se joga...
Porém o que mais me surpreendeu na leitura foi encontrar uma genuína preocupação de Trump pelos que sofrem. Percebi nele uma inesperada, porém verdadeira, sensibilidade. Não sou conselheiro dele nem dos que o admiram. Mas desejo que Trump desperte para o que é o seu novo papel. Ele não é apenas o presidente dos EUA. Donald Trump agora é um líder mundial, que precisa reconhecer a pequenez e fragilidade do planeta onde vivemos. Conscientizar-se melhor das  vantagens para o próprio povo americano do que significa globalização. 
É preciso evoluir e pensar realmente grande. É preciso deixar de ser antropocentrista ou, pelo menos, americocentrista. Nacionalismo é coisa ineficiente. É regredir, é antiquado, é brega. É preciso pensar como um terráqueo. Não necessariamente precisamos sentir compaixão por outros povos, por outras nacionalidades. Mas é preciso ser o cara que pensa em empreendimentos que desenvolvam a todos os cantos do planeta de forma sustentável, numa onda que leve prosperidade e riqueza para quem quer que seja, e de forma ainda mais acentuada a quem a promova. É a única saída de longo prazo. O resto é pensar pequeno, apenas no curto prazo.
Olhando de lá, de tão longe, da perspectiva de Hoag, me dei conta do quanto ainda somos todos tão pequenos e primitivos. Do quão solitários estamos em nossa arrogante ignorância.
Porém não perco a esperança no futuro. Nosso planeta um dia será novamente lindo em todos os aspectos. E respeitado.
Somos todos terráqueos.
P.S. Para que não sobrem dúvidas sobre o caráter fantasioso de minha experiência em Hoag, enfatizo que a conversa acima nada mais é que apenas um conto ilustrativo.

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