Berlin, por Ricardo Negreiros

24 de dezembro de 2019, 19:16 horas, acabo de chegar em Berlin.
É noite, chove um pouco, frio de 9o C, um pouco mais ameno que Amsterdã.
No balcão de informações do aeroporto, a moça de rosto redondo e chapéu de Noel me orientou com simpatia e precisão como chegar no hotel numa mistura de ônibus e metrô. Sempre tenho compaixão por quem trabalha nos feriados. Fui-lhe genuinamente simpático e acabei ganhando um saquinho vermelho que ainda não sei o conteúdo. Um mimo escrito “Berlin Welcome Card” que parece ser jujuba. Não me atrevi a perguntar o que era, tudo aqui tem muitas letras. Antes dela um senhor baixinho de uniforme do aeroporto já havia me ajudado, direcionando-me ao balcão. Não sabia que havia baixinhos em Berlin. Nem gente simpática. Como pela vida.
A cidade parece meio vazia pelos lados do meu hotel, que aliás é confortável, inclusive no nome. E me encontrei sozinho com meus devaneios, por isso sentei-me logo para escrever.
Por muitos anos li livros, vi filmes e documentários sobre essa cidade. Mais pelas grandes decisões políticas e militares do que por outra razão. Aqui viraram o século XIX para XX já com planos de expansão beligerante pela Europa, simultaneamente por dois flancos, França e Rússia. Daqui decidiu-se tentar conquistar o mundo pela dor. Aqui viveu-se a glória passageira e a derrocada definitiva de pensamentos de domínio e subjugação. Como na vida.
Interessante se dar conta de algumas verdades. Corações gélidos respiraram o ar que tocou monumentos que estão à minha volta. Corações aflitos andaram por aqui se fantasiando em sisudez para não parecerem frágeis diante de Satã. Estômagos ácidos sentiam que o mundo estava por cair. Inocentes agiram e morreram como inocentes. Culpados agiram e mataram como ainda mais culpados. No caos fazia-se pose de calma e simetria. Não havia Natais, às vezes, como na vida.
Cidade cobiçada pelos que traziam a espada da justiça e da ordem, mas também o martelo contendo o doce sabor da vingança. Cidade louca, que na tentativa de mostrar altura, demonstrou por meio de seu comandante mais importante a fraqueza da covardia, a sua imensa pequenez. Um suicida em débito não tem o direito de partir sem prestar contas. Como na vida.
Por outro lado é reconhecida a força desse povo repleto de gênios da ciência e do empreendimento. Que em poucos anos construiu uma das maiores economias do mundo a partir do zero. De fato um povo tenaz, trabalhador, respeitável. Que lutou por sua unificação. E que agora, como vi no metrô, cada vez mais se mescla com diferentes e leves sorrisos e almas. Assim espero. Como na vida.
Acabo de chegar em Berlin. Estou cansado. Turismo cansa. É Natal, mas não devo sair.
Feliz Natal a todos nesse mundo cada dia mais diferente. Lembrem-se dos seus bichinhos e dos outros bichos pelo mundo afora. Eles aqueceram Jesus na noite de seu nascimento. Nos acompanham, nos alegram e há os que sofrem para nos alimentar.

Um Natal ainda melhor para os distraídos que se dão ao trabalho de ler os meus devaneios e desabafos

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