Acionista (Investidor), demande domínio contábil de seus Conselheiros, CFOs e CTOs, ou contrate quem o tenha, por Ricardo Negreiros

Já reparou que toda quebra exibe um “descontrole contábil”? Não é coincidência. Você ficaria surpreso se soubesse o valor e a quantidade de furos que existem nas empresas  por aí... Balanços e DREs corretos são âncoras garantidoras de gestão e controle, especialmente importantes em cenários de crise, forte concorrência e margens apertadas. E para planejar estratégias sólidas.

“Contabilidade é o ato de registrar os eventos econômicos, juridicamente perfeitos”, como costumo dizer. Logo, não existe o ente “contabilidade”, mas sim a necessidade de interpretar cada evento transacional sob a sua ótica econômica e o seu arcabouço legal. Dessa interpretação técnica faz-se a escrituração, nessa linguagem lógica e universal chamada “contabilidade”.

O problema que estamos vendo nas Lojas Americanas não vem de hoje, nem é exclusivo do Brasil. É profundo, crônico e global, pois todo mundo acha que entende de contabilidade. Pode ser, mas se o profissional nunca fechou um balanço, em geral desconhece a imprecisão resultante dos problemas da dinâmica vertiginosa das atividades empresariais e da relevância de importantes desafios:

1 – Alto volume de microeventos transacionais - o volume de registros a serem apontados num dia, mês ou ano é proporcional ao nível de atividades de uma empresa, sendo naturalmente alto nas grandes corporações de varejo, indústria e serviços. Por exemplo: um varejista que fatura cerca de R$10 bilhões por ano, com tíquete médio R$100, vende/emite 100 milhões de cupons anualmente. Multiplique por apenas 5 itens na sacola, e terá baixado do estoque 500 milhões de itens unitários no período, junto com seus efeitos tributários. Logo, recomendo que você repense no seu caso concreto desde os processos de compra de cada produto, mais a gestão dos recebíveis, dos fornecedores, o cálculo do custo médio em cada baixa, os diversos tratamentos fiscais, e você perceberá que a quantidade de eventos a apontar e controlar pode facilmente atingir, em muitas empresas, a casa dos muitos milhões, anualmente. Sem a correta técnica de registro de contrapartidas, não há controle. E sem a revisão de um bom contador, nenhum relatório, mesmo gerencial, pode ser considerado correto.

2 – ERPs mal parametrizados – todos os sistemas precisam olhar a contabilidade como cliente final – ver fig. 1. Somente um balanço com seu capital de giro operacional corretamente fechado em bases diárias pela contabilidade é capaz de garantir a consistência das informações dos relatórios. O SAP, tido como o ERP mais confiável do mundo, costuma operar no Brasil somente como uma máquina de registro de cupons e notas fiscais que acumula tantos detalhes inúteis, sem agrupamento técnico, que mal consegue produzir informação inteligente com consistência. Com a falta de parametrizações corretas, sem registros estratégicos, torna-se uma peneira de furo largo, em termos de controles internos. O mesmo vale para a TOTVS e tantos outros.

3 – Complexidade tributária – redundante falar disso, mas importante enfatizar que a grande quantidade de tributos indiretos atinge diretamente cada unidade comprada e vendida, tornando os controles e as obrigações acessórias um inferno zodiacal. Os tributos diretos são a parte “fácil” do problema fiscal.

4 – Folha salarial – outro inferno legislativo e de controle, que dispensa comentários.

5 – Conservadorismo estrutural – não precisa de muita regra – IFRS, IBRACON etc. - basta a contabilidade adotar basicamente dois artigos da boa e velha Lei das S/A (ativo a menor valor, art. 183; e passivo a maior valor, art.184). É um conceito tão evidente, focado no dimensionamento prudente do patrimônio do sócio, que não dá para questionar a objetividade, exceto quando se tratar de projeções, como nos impairments. Ainda assim, uma honesta e conservadora avaliação sempre eliminará dúvidas relevantes.

6 – Auditoria Externa – Muitos acionistas (e gestores) confiam exclusivamente nos relatórios dos auditores como base segura das demonstrações financeiras e quanto á análise das falhas de controles internos. Essa é a razão de ser dos auditores, que costumam fazer um bom trabalho técnico. Porém, há muitos desafios nesse trabalho. É feito muito rapidamente e em grande parte alicerçado em amostragem, especialmente em contas relevantes, como estoques, fornecedores e recebíveis, tornando vulnerável e limitada a sua análise, especialmente diante de fraudes bem elaboradas ou erros complexos. Boa parte desses problemas poderia ser evitada se as áreas de TI operassem corretamente em sintonia e apoio à contabilidade.

Histórias do "Pato"

Em minhas palestras (fig. 2) abordo com humor a falibilidade estrutural da governança das empresas e apresento casos famosos. O problema é que somente os muito relevantes alcançam a notoriedade. Logo, reflita: quantos casos “pequenos” estão em curso nesse momento, com imprecisão de muitos R$ milhões, e você desconhece?...

Conclusão

Essa é uma abordagem resumida do desafio da contabilidade como ferramenta de controle, hoje altamente negligenciada. Algo que ocorre no ambiente de parte significativa das empresas, independentemente de seu tamanho. Muitas informações que são apresentadas por CFOs e CEOS a conselheiros em formato PPT, “bonitas e esterilizadas”, não são lastreadas em análise materialmente correta, tanto dos riscos quanto dos resultados.

Não basta normatizar as empresas – é preciso investir na reforma completa dos processos de controle e registro nas empresas, base para indicadores e informações financeiras, econômicas e estatísticas confiáveis. É preciso, inclusive, mudar aspectos culturais, como enfatizo no livro ´Manual do Reestruturador de Empresas´(2010).

(*) P.S. - Revisão do post “Conselho faz parte do time de empregados a serviço da empresa” (fig.3).

A primeira vez que tratei aqui da responsabilidade dos conselheiros foi em virtude da tragédia de Brumadinho. Concentrava-me em conceituar que o conselho de administração é parte conjunta de uma equipe de trabalho, que se estende até o iniciante estagiário.

Em virtude dessa nova tragédia corporativa das Lojas Americanas, preciso completar a abordagem, antes feita na presunção de inocência e distância do acionista anônimo. O novo parágrafo fica assim:

“No entanto, o que gostaria de chamar à atenção é que muitos altos gestores, por distração, conveniência ou mesmo orgulho de suas posições, parecem não se dar conta que o único grupo de indivíduos que não tem responsabilidade direta pelo desempenho geral do negócio e pelo que nele acontece diretamente é o acionista. Sua única e principal tarefa é capitalizar o empreendimento e cobrar que todos os contratados, dos conselheiros aos mais iniciantes estagiários, trabalhem juntos, de forma corresponsável, em equipe, e produzam o melhor resultado do ponto de vista da lucratividade e da perenização das operações. Todo e qualquer profissional da empresa, inclusive os conselheiros, presta contas para alguém hierarquicamente acima e, quando em cargo de chefia, tem ainda a obrigação adicional de motivar e desenvolver profissionalmente os que estão sob o seu comando. Tecnicamente acionistas controladores somente são culpados quando, conhecendo erro ou irregularidade, negligenciam ou deles se locupletam. Coisa que minoritário não tem controle, mas precisa estar alerta.”

(Fig.3)

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